quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Suor da Fé


Pela noite o pau de arara já está cheio de tralhas. Lençóis e fé. Começa mais uma romaria, que poderia ser chamada de martírio pelas pessoas que desde longos tempos fazem a mesma peregrinação todos os anos, agora filhos e netos também se empolgam.

A viagem longa de mais de 12h se torna interminável pela falta de conforto do transporte, e gratificante pela paisagem típica do sertão, onde o cinza e o marrom tomam conta do olhar e invadem tão sorrateiramente seus pensamentos quanto o vento seco que toca o rosto. Vento esse que chega primeiro ao destino levando consigo as ladainhas entoadas por vozes cansadas, ressonantes e fortes como a mão encaliçada que é estendida aos céus agradecendo e pedindo que a sua promessa que foi cumprida. O olhar das romeiras é fundo, vago e translucido, fica fácil perceber o sentimento do romeiro, principalmente se o olhar vir acompanhado de um sorriso ou de um suor.

A chegada é festiva, com fogos, rezas, cantigas e sorrisos. Voltas com o pau de arara no adro da igreja. É a promessa dos motoristas romeiros. A cidade incrustada no cariri seca a alma, rasga a pele, esvai o poço, afugenta o menor sinal de chuva. As caravanas movimentam e alegram as ruas do Juazeiro que parece viver da fé, o maior sacrifício além da viagem cansativa parece ser o de ter que suportar essa secura em pleno novembro, mas engana-se quem pensa que a única água que brota no sertão é o suor ou o orvalho, do rosto sertanejo com roupas múltiplas e pesadas caem lágrimas que como a vida desses batalhadores nascem doce, mas em um ambiente hostil, e ao escorrer misturam-se com o suor e cicatrizes deixadas pelo trabalho duro na terra.

Todos cheios de esperanças participam de missas, vão às compras, também se divertem, mas o objetivo principal esta lá, no alto, estático. Acordam cedo, ainda escuro e com cheiro de noite para alcançar sua finalidade de chegar aos pés do padin cicero.

Padre Cícero que, como muitos heróis nordestinos de carne e osso, é cheio de contradições e posa de santo, se não fosse sua biografia a força sertaneja o tinha endeusado, tamanha a devoção dessas pessoas. Mas ele está lá, no ponto mais alto do cariri, bem pertinho do sol. Aos seus pés muitos pedintes que mendigam cantarolando. Esse é o ritmo do lugar: mendigos cantarolando, alto-falantes antigos com mendigos modernos, megafones do comércio de souvenires, as caixas de som da igreja a cada dois metros, o som dos motores de carros e ônibus sucateados, vozes e muitas vozes rezando e, para unir todos esse sons, milhares de velas com chamas dançantes, que parecem cantar a música do desespero, aquecem e perfumam o lugar de parafina.

Ao alcançar a estatua muitas superstições assustam até mesmo o mais cético visitante ao misturar sons, imagens e cheiros que te faz sentir algo como uma explosão de choque cultural.

Na volta, por fim, o romeiro retorna com o corpo cansado, mas com a alma revigorada e o suor que antes sujava, agora lava e renova as esperanças para o ano seguinte.

Nenhum comentário: